Saturday, April 01, 2006

Empty Spaces

"Espaços vazios". Esse é o nome de uma música do Pink Floyd. Do "The Wall". No disco não está inteira. Só no filme. Fala sobre consumo, comprar coisas e ocupar espaços para preencher um vazio que, na verdade, é interior. E que não percebemos ou fingimos não perceber, por estar sempre "de costas para o muro". Concordo. E acho que esse espaço vazio, quando as pessoas não o preenchem "acumulando coisas", entendidas por objetos, procuram preencher com elas mesmas, pela própria presença. Conquistam centenas e centenas de amigos, ainda que superficiais ou passageiros. O que importa, afinal, é a quantidade. Ocupar espaços e acumular para filtar um ou outro alguém especial. Afinal, cabem mais pessoas no Orkut que no coração. Arranjar festas e mais festas, o maior número possível, com o maior número possível de pessoas. Uma vez nelas, procurar abstrair ao máximo, falar ao máximo, se enturmar ao máximo, procurando diversão. Na verdade, ocupar o máximo possível de espaço dentro do próprio limite do bom senso, que é variável, pois sabemos que excessos levam à exclusão e exclusão remete ao vazio. Falar ao máximo, sorrir ao máximo. Chamar a atenção. Essa é a nova ordem. Enfim, procurar o máximo de aceitação externa e preencher espaços para ocupar um vazio que, na verdade, é interior.
Não me isento. Não vou a festas, mas consumo e encho meu quarto de coisas para preencher um silêncio que é, na verdade, interno. Não dá para negar a satisfação e o sorriso alegre e momentâneo que surge quando encontro AQUELE disco difícil do Durutti Collumn ou do Peter Hammill, um livro novo do Neil Gaiman, as obras completas do Jorge Luis Borges ou até um filme da Laura Angel (Gosto de filme pornô, sim. E daí? Afinal, é religião...e, como o nome diz, trata-se de um anjo).
Pois bem... falando em religião, este conceito de vazio e preencher espaços está lá, na teologia. Em Cristo. Pelo menos, segundo o evangelho apócrifo de São Tomé. (Agradecimentos ao Fábio, que me emprestou o dele). Os demais não li.Para quem não sabe, os evangelhos apócrifos são aqueles não reconhecidos pela igreja e que não fazem parte do Novo Testamento. Adoro a interpretação cristã desse sentimento, segundo Tomé. De acordo com essa interpretação, o conceito de preencher vazios pode ser comparado a uma roda que gira. Acho ótima essa analogia. As pessoas procuram se manter no lado externo dessa roda. Vamos entender cada pessoa como um ponto na extremidade externa da roda. E quanto maior essa roda, melhor, pois maior será a circunferência que ela ocupará enquanto gira. Consequentemente, maior a volta que ela dará e maior o espaço percorrido. O problema é que cada ponto, por mais que esteja sempre em contato com um novo espaço de chão que percorrerá no caminho irá, por outro lado, dar voltas em torno de si mesma o tempo todo e chegando ao mesmo ponto da circunferência. E quanto maior a roda, mais rápido, superficial e passageiro é o contato com o novo espaço de chão. Mas, se há um engodo nesta idéia, como justificar a força que move a roda? Segundo Cristo, na versão de São Tomé, a solução é simples. Que a verdadeira força da roda não está na sua extremidade, nem no espaço percorrido, mas no seu eixo, no centro da roda. E esse centro é um ponto fixo, que não ocupa espaços. Mas é nele que se concentra toda a força, a energia que movimenta e dá sustentação ao todo. Ele, o lado interior da roda. É ali que está a força. O tamanho da roda e sua circunferência podem ser tão variáveis quanto o número de amigos ou CDs que temos. Mas o eixo está lá, no interior, no centro. Caso contrário a roda seria capenga. Jogue o centro para a esquerda e a carroça treme e balança a cada volta da roda desregulada. Então, de acordo com este conceito teológico, o "reino dos céus" pertence a quem preenche bem o vazio interior e habita o eixo, não a extremidade. E não me chame de tendencioso, pq falei que não frequento festas. Afinal, por outro lado, consumo CDs. Não concorda? Não discuta comigo, porra... Vá brigar com São Tomé...