Sunday, March 20, 2011

Medeamaterial

Heiner Muller

Uma ou duas vezes, aqui mesmo, já descrevi meus
sentimentos e minha postura política (ou apolítica)
em relação ao jornalismo. De repente, em
pleno domingo santo de Fausto Silva, sinto vontade
de chover no molhado. Chove lá fora e aqui...faz tanto frio...(tô ouvindo muito Lobão).
Enfim....um dos dramaturgos que mais respeito, discípulo direto de Brecht, Heiner Muller, escreveu, em sua autobiografia "Guerra sem batalha - uma vida entre duas ditaduras" que a tônica teatral segue padrões políticos, na seguinte proporcionalidade: "quanto mais governo, mais drama, quanto menos governo, mais comédia...". A frase, efetivamente de espírito, me pareceu, quando li, perfeita para descrever o que vejo e sinto, sem entrar no mérito da minha razão, uma vez que toda razão é contestável, não se tratando de equação matemática. Enfim..dentro deste contexto, me vejo vivendo em plena encenação de uma extensa comédia. Uma comédia política. Uma comédia editorial. Uma comédia de existência.
Somos, hoje, crias de um governo pseudo operário, criado pelo sucesso e "bom desempenho" do ex-presidente Lula. Um homem do povo. Dois governos. Uma sucessora. Um desejo incontido de continuismo e uma sensação de "daqui a quatro anos estou de volta, pessoal !!!!". Um governo representado por um homem do povo. Com bons programas sociais, amplamente amparado pela classe mais pobre da população, pelos nordestinos (basta ver os índices das últimas eleições), por identificação e suborno escancarado na forma de política social. Em resumo (para poupar o enfim..) , um governo do povo ou uma quase anarquia, tendo em vista que quando o povo se vê representado pelo povo na forma de um indivíduo, se torna apolítica, pois tudo está bem e em boas mãos (de "um dos nossos") . E o que, desta forma, poderia ser chamado de "democracia plena", também pode ser visto como uma forma de anarquia se quem dela sobrevive, com ela não se preocupa, como se não existisse governo, uma vez que vive bem com ela.
Estou apenas tentando rotular as coisas de uma forma diferente, de acordo com um ponto de vista particular. A diferença: na democracia plena, o povo acompanha, pede justificativas e punições, participa. Nesta "pseudo anarquia", embora haja um governo e governantes, tudo é permitido e perdoado, como se tudo fosse permitido e perdoado, como se não houvesse poder ou o poder fosse pleno ou inconstestável, como nas ditaduras (mas sem repressão). A diferença: na ditadura todos estão descontentes. Tudo é repressão. Na "pseudo anarquia" todos estão contentes. Tudo é perdoado, bilateralmente. E sinto que é nesta situação que vivemos, hoje, sem entrar no mérito da razão se isto é bom ou mau.
Vivemos a vastidão da comédia, descrita por Heiner Muller.
Isto é bom? Visto por dentro, sim. Todos estão felizes. E do ponto de vista pessoal, isto reflete que, com esta satisfação, cada um sente em si mesmo uma certa celebração. Um certo ar de euforia coletiva. Mas, o que me pergunto, é se isto também não é como viver, na prática, a sociedade descrita por Aldous Huxley em seu "Admirável mundo novo", no qual todos são tiranizados e controlados, mas não percebem, pois cada um pensa que é feliz e satisfeito, dentro do melhor padrão social possível. Deem ao macaco uma macaca e uma banana e tudo parecerá perfeito.
Normalmente, o "Admirável mundo novo" (o livro) é comparado ao "1984", do George Orwell. A diferença: no primeiro todo são felizes sob a ditadura. No segundo todos são infelizes e reprimidos sob ela. Um representa o que chamei de "pseudo anarquia". O outro, a ditadura em sí.
Minha posição "apolítica" sobre isso: apenas assumo meu distanciamento, minha inércia, minha impotência. Não posso mudar nada e nem sei se deveria tentar ou se há algo a ser mudado. Afinal, todos estão felizes, vivendo nessa "Matrix carnavalesca".
Minha posição profissional: (enfatizo o profissional. Não "sou" jornalista. "Ser jornalista" limita a pessoa a (perdi minha crase) profissão. Jornalismo é apenas meu ganha pão. Não ostento o peito para dizer "Sou jornalista" como se estivesse colando um rótulo de superioridade. Nem sustento extensas discussões punhetoverborrágicas para expor conhecimentos sem qualquer objetivo prático. A maioria dos jornalistas, politizados, contextualizados e politizados, também sabem de tudo. Mas, ao contrário do meu distanciamento, procuram uma postura "dialética", ativa ????? Não....claro que não. Afinal, todos estão felizes. E os jornalistas, que "são" jornalistas, importantes formadores de opinião, com opiniões próprias e contundentes (como estas) para discutir com outros jornalistas nas redações, nas reuniões, nos elevadores ou nos "happy hours" , em bares repletos de jornalistas falando sobre jornalismo, também com posições políticas contundentes para discutir com outros jornalistas, o que fazem? De efetivo,digo... Ou estão todos satisfeitos e felizes, segurando, cada um a sua banana, na forma de outro copo de cerveja?

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