Ácido Ameno

Sunday, February 04, 2007

INFERNO NÚMERO CINCO

Aaaaahhhhhhh, sombras escuras na noite....
A ausência de formas tocáveis...
Não! Não é apenas
a falta de sexo.
Não. Não é isso...
Sexo, na pior das hipóteses,
é apenas
mais um produto formal no mercado.
Alguém em quem confiar não tem preço!
O inestimável apreço
das relações confiáveis.


Para todas as outras
existe Mastercard.


A fé não está no mercado
Não há senhas que tragam.
Liberdade e amor
serão sempre
sentimentos, palavras e toques.
Nunca letras e números
em desfiladeiros secretos.
Mas pior
que viver isolado
é habitar um mundinho
limitado e pequeno
e enganar-se pensando
que ocupa o universo.


Todos os dias
pela manhã
me levanto
e suspendo esse corpo cansado.
Devolvo-lhe a vida
como em uma forca ao avesso


E qualquer raiva sincera
ainda é melhor
que morrer enforcado
pelo vírus do ódio
escondido
em cada falso sorriso.


O que fazer
com esse desespero silencioso
que arranha as costas
e as palmas das mãos?
Essa falta de algo
sem formas ou nome?
O inominável
chamado dor
apenas
por falta
de outra definição.
O inominável
chamado ausência
apenas
pela ausência
de definição melhor.



Com o tempo
aprende-se
a reconhecer a solidão
pelos olhos,
sempre miúdos,
vermelhos, cansados...
Ao contrário dos demais sonolentos,
os solitários
estão sempre despertos
e neste torpor
observam tudo.



Mas, às vezes,
é preciso buscar ajuda...
"Ah,doutor...
por favor, um sedativo
que me alivie de todo bem,
se para o mal não houver cura.
Ou, quem sabe,
um gole de felicidade.
Afinal,a felicidade
não precisa,
necessariamente,
ser uma explosão.
Basta, muitas vezes,
um toque...
uma sensação de conforto
ou apenas duas palavras.



Palavras...
que toquem no coração
como música,
como a musa
que sussurra aos ouvidos,
os sussurros que não vêm de outros toques,
mas quase nos tocam
com seus lábios úmidos...



Uma carícia na alma,
tocada por dentro
por dedos treinados
e vozes de afago.
O fado,o fagote, os sinos..
as sinas e os sonhos...



Mas
de que adianta
fazer relatórios da própria loucura?
Fazer terapia em si mesmo
apenas para descobrir
que falta de ar mata sufocado?
E somente perceber isto
quando o peito já está vazio?
Na solidão desta noite
tento apenas
dormir e sonhar.
Mas o que vejo
são espíritos
a rodar pela casa...
procurando comida...
varrendo meu quarto...
conversando uns com os outros
ou apenas
me observando...



E quando
meu coração apreensivo
salta do peito
e sai pelas ruas
procurando outro peito
volta
ressentido
com o silêncio que encontra



Mas, nesta noite,
Que senha me fará
esquecer da lembrança
o que vi ?
Na fauna
que habita meu quarto,
uma aranha
tecia sua teia.

Eram lindas
as curvas
de um lindo corpo de mulher
estampadas
naquela tapeçaria.
No teto do quarto.

Deitado
Admirava os contornos
deste fio de ilusão,
como quem admira uma mágica
ou as formas de Minerva.
Quando, entorpecido,
me esqueci do perigo...
Um fio pegajoso,
rançoso e repentino
grudado em meu rosto
serviu de caminho
à horrível predadora,
que desceu em um segundo,
assumindo seu posto,
grudada a meu rosto.

Cada pata
infiltrada na pele..
aquela crosta, encobrindo a visão
aquela forma que, embora leve,
parecia pesar toneladas,
envolvendo meu rosto,
pingando
algo ácido
em minha face...
Que senha me fará
esquecer a lembrança
do barulho que ouvi
de gravetos trincando
no momento
em que quebrei suas patas,
puxando,
com toda minha força,
seu corpo
para fora do rosto?
A lembrança
daqueles pequenos pedaços de garras
que permaneceram
grudados na minha pele...
enquanto, encolhido,
o verme se debatia,
se acasalando
ao que restou
do seu próprio corpo...
No chão do meu quarto....

E algumas pessoas,
às vezes se matam,
porque em um dia
não foram amadas...



Conheço um amigo
que todos os dias,
pela manhã,
recolhe o sangue das árvores
e pisa
em esqueletos de animais mortos.
À noite,
ninguém o abraça...
Será, o abraço,
um manto tão superficial
que escolhe apenas
a superfície
dos corpos perfeitos?
Será
que as outras almas
merecem
se aquecer apenas
com o calor retorcido
dos próprios corpos?

E eu,
que já passei
pela dor da solidão
e pelo reino dos mortos
e já me contorci de dor
assistido apenas por espíritos,
cada dia sei menos
comparado
ao crescimento do mundo..




Somente procuro amar,
pois sei
que quem possui o amor
possui o mundo.
O resto
é apenas conseqüência....