Ácido Ameno

Monday, March 19, 2007

Music...NON STOP

Em seu sermão da terceira quarta-feira da quaresma, o padre Antonio Vieira - uma tardia descoberta literária - diz que não existe arma, animal ou inimigo mais perigoso que a palavra "não". Ou "non", como ele se refere no texto. Enfrente um homem. Seu pior oponente. Veja-o de costas e ele está vulnerável. Encare a serpente - a pior - pelo rabo é inofensiva. O mesmo não acontece com o "non". Enfrente o palíndromo de qualquer lado e seu perigo é o mesmo. De trás pra frente, em ordem direta: é sempre "non". Inflexível, imbatível...
Pessoalmente, já enfrentei algumas vezes o não. Em todas saí, no mínimo, abalado. Em maior ou menor grau. E entenda-se esse "não" não apenas de forma direta, como uma resposta ou frustração, mas como negação de uma crença. Quem procura a verdade, procura a mentira. E encontra. E o que é a mentira, senão a negação da realidade? Particularmente, já vivi uma ilusão. Uma hora a enfrentei. E perdi. Encontrei a verdade, mas perdi uma vida: casa, cachorro, a promessa de um filho que não se concretizou... Ainda não me recuperei totalmente... mas estou tentando. Disse "não". O enfrentei. E perdi.
Mas vamos falar sobre música, que é mais interessante... Nela, o "sim" também tem sua culpa e o "não", sua redenção. Para começar pelo óbvio, os tiozinhos progressiveiros gritam em uníssono: "banda Yes", "banda "Yes"...Eles que me desculpem, mas vou ter que criticar. Apesar de ser ouvinte e reconhecer momentos de perfeita inspiração, considero o "Yes" um dos mais perfeitos exemplos da junção de exagerada pretensão técnica com letras do mais inocente sem sentido. O que dizer da obviedade de títulos de músicas como "Owner of a lonely heart" ou "Don't kill the Whale"? "Dono de um coração solitário"? "Não mate a baleia"? Odair José e Roberto Carlos já fizeram melhor.... O "yes", a palavra, também tem sua culpa no caso Beatles. Aliás, influência principal do "Yes", a banda, que começou tocando covers dos quatro rapazes de Lilliput, ops... desculpe, Liverpool. O que seria dos Beatles se não fosse o "yes" (palavra) escrito na instalação que fez o Lennon querer conhecer sua autora, uma tal de Yoko? Se não fosse esse "yes" talvez o Lennon estive vivo e os Beatles, ativos. O que também não sei se seria bom, considerando que poderiam ser outros mortos-vivos, como o Who (apesar que o novo cd deles é bem legal) ou os Stones. Imagine os Beatles, hoje, levando a vida que os Stones levam.... o Paul com um filho brasileiro e o Lennon arrebentado, caindo de maduro ao trepar em árvores, como o Keith Richards. Hilário....
Ah....quase ia me esquecendo...Ainda devo a redenção do "não". Ou "non", para retomar a citação do Padre Antonio Vieira, no início do texto.
Pois bem...recordo-me de um dos maiores êxtases das minhas memórias musicais: o inesquecível show do Kraftwerk, em 2004. O que dizer? Aqueles quatro homens (ou melhor, robôs, pois eles já não são humanos) encerrando o show perfeito. Estão lá..tocando...e, de repente, um deles vira as costas e simplesmente vai embora. Depois outro... e outro. E no final há somente o Ralph Rutter e um teclado. Mas a música continua, com uma voz metálica, que de tempos em tempos diz "Music... NON STOP". Então, Ralph sai, mas a música continua, dos teclados solitários no palco vazio. As cortinas se fecham, mas a música continua... e uma projeção aparece sobre o pano, escrito "Music... NON STOP". E o público sai... aos poucos, ao som da música, que nunca termina...Apenas, de tempos em tempos, a voz metálica diz "Music...NON STOP". Até hoje ela ressoa em meus ouvidos...

Sunday, March 04, 2007

QUANTOS ONTENS?

Nestes últimos tantos anos,
quantos ontens se passaram...
abanando
lenços lívidos de adeus,
em despedidas solitárias?

Quantas noites,
frágeis...
de esperança,
frio e fé...
esperando...
que a sucessão normal dos dias
traga uma resposta
ao que mal perguntado foi?

Como
uma pinga
de duplo sentido
trago
cada ontem guardado
em uma exposição
de imagens incertas,
organizadas
em galerias turvas
na contradição de cenas mortas,
transformadas em poesia...

Pode ser
qualquer coisa....
Em uma cena,
por exemplo,
a sombra ilógica
da solidão
recolhe corpos
enquanto
um anjo mimado
masturba
um cavalo inocente.
Em outra,
alguém,
assustado,
corre,
em chamas,
do diabo em pessoa.

Hoje
posso citar
Ovídio e Virgílio
mas não lembro
do toque dos lábios.
Há cansaço demais
em pouco tempo.
Mas, por enquanto,
não é hora de parar.
Algo ainda
precisa ser feito...
.
Senão fora,
pelo menos aí,
nesta selva cansada do peito.

Não, não, não...
não...
por favor, não pare...
continue batendo...
dentro do peito...
como um tambor,
um presságio ou um prelúdio...

Por isto
hoje
escreverei
versos mais tristes
que os mais tristes versos
de Neruda.
Com apenas
uma gota de tristeza
a cada noite.

Quantas noites
de ontem,
sangrentas e tristes,
espalhadas no pó?
O gosto rude da paixão
desfeita em espasmos...


Lembranças,
olhares,
marcas de orvalho,
detritos
e sangue pisado,
brilhando,
desfeitos
no início rubro
da noite vermelha.

Quantos anos
de ostracismo,
saudades...
vivendo como ostras,
com complexo do destino?
E, o que fazer?
Abaixar a cabeça?
Esticar, a você,
o dedo do meio?
Responder perguntas
que não terminam
em um ponto de interrogação
Preso
no fundo
de uma piscina vazia
observo
grandes azulejos brancos,
a luz do dia,
mas nunca
a saída.
E, apesar de tudo,
do inusitado,
sinto
minha alma seca,
não
como um deserto,
mas como
o olhar tedioso
do assassino.

Quantos ontens se passaram
desde a última vez?
Quantos ontens
o futuro ainda reserva?
Silenciosos e brancos
como uma cegueira otimista.
Broncos e licensiosos
como qualquer outra
infinita besteira.

E mesmo depois
de tantos ontens,
quantos homens
dez anos mais jovens,
não aparentam
ser mais homens que eu?
Quantos ontens se passaram
por onde
minha masculinidade
não passou?

No último abraço,
de costas
para a protagonista,
acabei beijando o ar.
No último beijo,
embrutecido
de amor platônico,
acordei
abraçado ao ar.
E quando
percebi meu engano,
pensei:
"Nem tudo está perdido!"
E respirei-o profundamente.

Mas gostaria
que você olhasse para mim
como uma lembrança...
algo que faz parte,
ou, ao menos,
como uma promessa....
Mas não
com estes olhos estrangeiros,
de transição...
Que já passaram
sem nunca encontrar
os meus.

No momento
quero apenas crer.
Não importa em que...
Em Deus...
em amor perfeito....
no "eu e você"...
...no momento...
....em discos voadores
sobre minha cabeça...
Em frases longas,
recheadas de texturas comestíveis...
no amor...
Sem ele
há apenas hoje,
sem ontem ou amanhã.
E hoje, realmente,
não há nada para fazer.
Então
brinco com a língua
da alma pátria...
entre os dentes,
em estridentes frases calmas
que me dizem:
-"Ainda há tempo!"
Então corro...
e alcanço
o amanhã.
Toco seu ombro
e pergunto:
-"E então?"
-"Sinto muito..."-
ele responde-
"mas sua chance
era hoje,
mas o hoje
já passou!".

Quantos ontens se passaram
nesta eterna lentidão?


Preciso sair...
Vou correr...
minha casa
cheira inanição
E quanto chego
a algum lugar
percebo
que esqueci algo em casa.


Aaaaaahhhh, Neruda...
ontem, finalmente,
revi algumas de tuas páginas
e, em um instante,
voltei a ter 15 anos,
quando te conheci.
Quanto tempo
tuas páginas aguardaram
por um novo toque dos meus dedos
no silencioso frio da estante?

Quantos ontens se passaram
por um caminho que não vi?


Matilde...
nunca troque
seu carinho por sementes
regadas de prantos.
Apenas
espalhe suas sementes
com carinho.
Assim os prantos
serão abortados
naturalmente...

Quantos ontens?
Quantos ontens?
Quantos ontens?
Quantos ontens...
se repetirão
inutilmente?


Quanto ainda
se repetirão
até perceber
que é possível
ser feliz,
mesmo sofrendo?

Quantos corpos
os dedos
precisam tocar
apenas
para sentir que é hoje
e ainda há vida?
Ao menos um,
todos os dias.
Mas o coração bombeia sangue
mais rápido que os segundos.
E o mundo
explode em sangue
em bombas que explodem
a cada segundo.

E, em meio
a tantas portas fechadas,
onde encontrar
a chave universal
do coração?

Quantos ontens
ainda passarão
até que acredite
na promessa
do amanhã?