Ácido Ameno

Sunday, February 12, 2006

Hunter S, Thompson

Não leio livros sobre jornalismo. Na verdade, nem jornal leio mais. Muito pouco. Pq? Me encheu o saco..."SOU JORNALISTA''. Sou? Sou porra nenhuma...Sou gente. Jornalismo é apenas minha profissão. O modo que encontrei para pagar meu pão, meus óculos e meus CDs usando a cabeça, as mãos e um teclado. Sim, estou "entiozinhando". Tão tiozinho que ainda falo em CDs quando todos pensam em MP3. Gosto dos CDs, como os tiozinhos ainda mais tiozinhos que eu gostam do vinil. Outro dia uma amiga falou do livro do Truman Capote. Não li. Mas ouvi falar bastante nos tempos da faculdade. Quando ela falou já tinha me esquecido completamente quem era e do que se tratava. É o "entiozinhamento", ávido, devorando os poucos neurônios. Pois é.... a última vez que me impressionei com a imprensa foi no meio dos anos 90, quando esperava ansiosamente cada novo número da revista "General", que achava moderna e bacana. A revista (que durou pouco) era editada por dois jornalistas: André Forrastieri e Rogério de Campos. Hoje esses caras têm uma editora: a Conrad. Sempre que vejo o símbolo do "pac-man" (tá vendo como eu tô tiozinho?) na lombada de algum livro na prateleira de uma livraria dou um sorriso e penso: "Esse livro deve ser legal". Até o livro em prosa do Alan Moore (Vozes do fogo) eles editaram. Mas isso não vem ao caso. Aonde eu quero chegar? É que... pois é.... estou lendo um livro de jornalista...E estou curtindo... só para pagar minha língua. Da Conrad. Do Hunter S. Thompson. Bem bacana. Ganhou minha simpatia. Logo no primeiro texto ele cita "O mito de Sísifo", do Albert Camus, que foi um livro que "mudou minha vida", com a idéia do "absurdo do existir" e de como o homem se sente impotente dentro do contexto do real, que o força a se adequar ao que é imposto, à despeito da própria vontade.. Mas isso é outra história... No livro do Hunter Thompson, outra coisa que me chamou a atenção logo de cara é uma parte em que ele faz elocubrações sobre uma possível tentativa de Nixon para tentar escapar do impeachment. Diz o seguinte: "Um tratado de longa duração com a Rússia, articulado por Henry Kissinger, assegurando o apoio de Moscou à invasão, captura e ocupação definitiva pelos Estados Unidos de todos os países produtores de petróleo do Oriente Médio. Isso resolveria não apenas a crise energética e acabaria imediatamente com o desemprego, ao forçar que todos os homens desocupados e fisicamente aptos a se alistar nas forças de invasão/ocupação... como também alçaria a economia a um nível de tempo de guerra e daria ao governo "poderes emergenciais" ilimitados"...
Esse trecho do livro foi originalmente publicado pelo jornal New York Times, em 1º de janeiro de 1974. Saddam Hussein? Iraque? Isso tudo não lembra alguma coisa ? Talvez o Apocalípse ... Que merda!!!!!

Friday, February 10, 2006

Murnau

Este, na verdade, é o segundo texto de comentários sobre algumas referências do meu poema da "redenção". O primeiro é o do Ezra Pound, logo abaixo. Ambos deveriam aparecer depois do poema e não antes, mas como não sei se dá para trocar a ordem e também não tenho tempo nem paciência para tentar... então foda-se, vai assim mesmo... Só queria justificar o motivo do "Fausto" ser uma revisitação de "Murnau" e não do "Goethe", que é o autor real da história. A resposta é simples... é que, na verdade, não li o livro e fiz minha versão abrasileirada com base na primeira adaptação para filme (que eu saiba), dos anos 20. Não que eu seja cinéfilo (qualquer um que assistiu uma centena de filmes sabe mais que eu), mas tenho uma certa simpatia por filmes alemães do começo do século passado. E Murnau era foda. Acho que o filme, como um todo, tem algumas partes até meio maçantes, principalmente quando Mefisto seduz uma mulher. Talvez nos anos 20 isso parecesse mais interessante, mas hoje fica monótono. Por outro lado, logo no começo, a cena do Mefisto e todo o mal descendo sobre a terra, é linda. Como alguém conseguia filmar algo tão convincente nos anos 20? Quem assistiu sabe...Procurei manter ao menos um pouco da estrutura do filme, principalmente no final que, por ser mudo, dá uma grande ênfase para a palavra "AMOR" escrita, ocupando quase toda a tela. Uma curiosidade: para o papel de "Gretchen" foi cogitado o nome de Leni Riefenstahl, que acabou não sendo aceita. Anos depois, quando Murnau foi cogitado para ter a "honra" de ser o cineasta oficial do partido nazista e acabou não sendo,quem acabou aceitando foi a própria Leni Riefenstahl... Mas aí já é outra história... Outra fonte legal é a trilha sonora, de uma banda alemã (ou belga?) de rock-in-opposition chamada Art Zoyd. Para quem não sabe, rock-in-opposition é uma vertente mais radical, anárquica e politizada do rock progressivo. É uma pena, mas a tal trilha não foi usada para a versão nacional do filme em DVD. A trilha sonora da versão brasileira é bem mais sem graça.... (no fun, my baby, no fun... no fun to be alone, walking by myself...). Bem, deixando o Iggy Pop de lado...Pois é, o filme é bem legal, desde que quem assiste não tenha nada contra filmes mudos em preto-e-branco. Não gosta? Então tá, né? Fazer o q, né?

Tuesday, February 07, 2006

"Condensare" "Condensare"... gritava Ezra Pound em sua gaiola de gorila. Quem já leu o "ABC da literatura" ou, mais insistente, enfrentou as mil páginas de "Os cantos", sabe do que estou falando.... Condensar-A arte de cortar palavras... A capacidade de escrever bem sem extensas elocubrações punhetoverborrágicas. Ser preciso como um bisturi, atingindo o centro nervoso da idéia, do conteúdo....dizer o máximo com o mínimo de palavras gordurosas. Nisso reside o coração da poesia, do bom texto, da idéia bem expressa, sincera e precisa. Mas foda-se (apenas para não parecer pretensioso... e porque é bom falar palavrão). Quem conhece o velhinho fascista já sabe... americano traidor, que durante a segunda guerra, morando na Itália, emitia mensagens fascistas pelo rádio. Após o fim do holocausto, para não ser julgado como traidor, foi considerado louco e enviado a um hospício, onde viveu anos em uma "gaiola", onde escreveu boa parte dos textos de "Os cantos". Texto moderno da porra, mistura de poesia clássica, com referências a Homero, misturado com ideograma chinês... páginas e páginas de texto nervoso e intenso, muitas vezes incompreensível, mas sempre belo como só o "melhor fabricante" poderia fazer. Não por acaso seu próprio nome, citado no meu texto da "redenção" já cria uma imagem. Sua própria vida já é uma história literária e a citação de um momento da sua trajetória, uma imagem poética. Não que seja bela ou romântica, inspirada ou sensível, mas poética, no melhor sentido da expressão de sentimentos, sejam quais forem, de dor, sofrimento, paixão ou fúria insana. Mas que seja intensa e poética. Como Ezra Pound.

DIA DA REDENÇÃO
(incluindo Fausto de Murnau revisitado)

INTRODUÇÃO
Recentemente
um acidente sentimental
paralisou-me
metade das sensações.


É o que ocorre
quando o coração sangra
seu sangue irreal
e o corpo
responde
com dor verdadeira.

REDenção

Chega
do sangue vermelho
dos vaticínios fatídicos.
Cansei das palavras.
Quero hoje
um poema de redenção.
Mas que seja feito de pó
para que penetre nos poros
e circule no sangue.
Que seja líquido,
fluido
pelas gargantas
dos rios e esgotos,
dos ricos e escrotos,
como palavras.


E como alimento
como palavras
de frases robustas,
não de gordura,
mas de carinho e afeto.
Todos os dias,
pela manhã...


Cansei
de não ser feliz
em um mundo
de infelizes satisfeitos
e insatisfeitos felizes.
Quero
injetar fibra
na massa do pão
e força
na mão que amassa a argamassa.
E também quero o ÓDIO,
ainda
que em doses pequenas,
como óleo
na engrenagem do dia.
Apenas
para lembrar que ele existe,
mas está controlado.


Quero
dar às palavras
a habilidade do arroz e do trigo.
Mas aqui, pelo menos,
ainda
são apenas palavras,
de baixo poder nutritivo.
Um dia virá
e despertarei
digerindo papéis
para ruminar sentimentos
que serão digeridos
sem medo e sem nojo,
por puro prazer...


E quando
um raio de sol me atingir,
aquecendo-me a pele e as vestes
sentirei medo
de sair do escuro?
Acostumado com o medo
tenho medo
de viver sem ele.
Abraçado
ao medo do medo dos medos
me sentia seguro,
escondido,
sob retalhos tementes,
como um menino
de olhos fechados
na iminência do tapa.
Mas o tapa não veio.


Até hoje,a cada manhã
quando o homem abre os olhos,
um menino acorda,
cercado
por lobos famintos,
nervosos, rosnando.
Ele observa
e caminha, impassível,
neutro e incólume,
pela alcatéia de dentes.
Hoje ele sabe
que se não o atacam
é porque
ele também é um lobo,
apenas mantendo
suas presas fechadas.


Me lembro...
um dia
alguns deuses sarcásticos
fatiaram meu corpo
como pedaços de bolo.
Lâminas atravessando artérias,
liberando recheio venoso.
Mas acordei vivo.
Desde então
Homens não mais me rejeitam.
São meus amigos
e alguns até se insinuam.
Tratam-se como iguais.
Doenças não me rejeitam.
Me desejam, me abraçam,
mas não me levam,
graças a Deus.
Apenas elas ainda me evitam.
As harpias, é claro.
Habitam meus sonhos e são sorridentes,
mas quando abro meus olhos são cinzas.
Algumas, ferozes,
derramam sangue das presas
quando mostram-me os dentes


Mas ainda, também,
é preciso
perder o medo da deusa.
Abrir os olhos
e não virar pedra.
Pois, não por acaso,
a própria Medusa
aglutina em seu nome
os dois termos:
o medo
e a musa.
Medusa.
é a mulher
e a cobra.
Anfitriãs
do pecado bíblico.


E estas visões
tão esparsas
precisam ser costuradas
como tecidos...
Com a pele do corpo,
exposto e violado,
reconstruído.


Dia virá
no qual
desta avalanche
de medos e erros
se erguerá
uma horda de rostos perdidos.
Erguendo-se
como nuvens
infladas no céu obeso,
implorando atenção.


E quando
as lágrimas ácidas do martírio
perfurarem a terra
apenas
quem souber amar
encontrará proteção,
abrigados em abraços,
alimentados de lábios
e embebidos de beijos.


As harpias,
perfuradas por lágrimas
sentirão a dor do fogo
ao toque do ácido.
E os lobos,
que uivam na noite
seus dotes de sexo,
rastejarão sob a chuva
arrastando
escrotos pesados e inchados
como bolas de ferro.


E a fome de afeto
será saciada
por um conjunto
de sete letras:
“Me beije”.


No dia da redenção
não haverá fugas possíveis
em valores monetários.
Rotas, projetos,
mapas e senhas
em postos alfandegários.
Não haverá
facções e divisas,
esquadras e tropas...
milícias armadas,
mais impotentes
que velhos dormentes,
prostrar-se-ão de joelhos,
inofensivos como coelhos,
assustados...


No dia da redenção
milhares
de ofensivas frases sujas
dos banheiros públicos
pedirão perdão
às injúrias
em vão proferidas.
Mas algumas continuarão lá
como ícones
de resistências revistas.


EU VEJO
....Eu vejo
contradições...
Feridas expostas e sangue
nas noites de festas.
Pessoas dançando
de olhos fechados,
buscando
uma luz,
um caminho
na música,
dentro de si mesmas...


Uma garota, de costas,
encostada
no corpo de alguém jamais antes visto.
Olhos fechados,
a mão percorrendo
um corpo novo
recém descoberto
procura um caminho,
um carinho para a cura
do corpo sozinho,
na noite de festas.


Eu os sinto nos olhos
mas não em meu corpo.
Capto tudo
como uma antena
e os rumino em palavras.
A solidão e o amor
são tão próximos
que as frases
“Me beije”
e “Me deixe”
se alternam apenas
por duas alterações consonantais.


O amor é, sem dúvida,
o topo mais elevado da vida.
O cume
onde os sonhos são vistos
como belas paisagens reais.
E nós, alpinistas com medo,
estendemos os braços
em busca de abraços
que nos conduzam ao topo.
E se não o alcançamos
não é culpa do amor,
que permanece em seu posto,
impassível,
mas de seu oposto,
o tapa no rosto.
A avalanche escura
da frustração.


Neste dia
poemas
funcionarão como Antrax
na pele dos inimigos
ou como pólen
no coração dos amigos.
E
centenas de gatos
retorcidos
percorrerão ruas
e esquinas vazias.
Centenas de pares
de olhos famintos
devorando, silenciosos,
os movimentos humanos.
Esperando apenas
um momento de indecisão...


Neste dia
a sinceridade
e o jogo de cartas
revelarão verdades
tão bem resguardadas
que
mentirosos convulsivos
aglomerados pelas ruas
confessarão seus delitos.
Enquanto os tarôs
revelarão o verdadeiro destino
escondido na carta
do enforcado.


Quantas mentiras
solidamente fincadas
necessitarão ser quebradas
no dia da redenção?
Quantas construções pútridas
escorrerão pelas ruas
em um elemento pastoso
em direção aos esgotos?


Quantas gotas escoarão
entre o pasto e o alimento
poroso pela resignação
dos desgostos?


Quantas folhas em branco
despencarão das nuvens
em uma verdadeira
fonte de inspirações?
O que cada um escreverá?
Quantas imagens ou frases
descreverão cada vida?
Ou alguém ousará deixar
a vida passar apenas
como outra folha em branco?


Neste dia
lágrimas magras
há muito congeladas
evaporarão
feito
uma prece redentora
em uma noite de névoas.
É a solidão esvaindo...


Quem dera
conter mais segredos
que as folhas das árvores
e, como elas,
secar lentamente, ébrio de sol
e sóbrio de lua.
E amar alguém...
Pois não ser amado
é sentir
um frio tão profundo
quanto um prego cravado
no centro da alma.


E tantas pessoas
superando anos de dor secular,
de constipante solidão congelada.
Esperando, sempre em vão...
Esperando...
um sorriso que não vem.


Então chega....
de toques no vácuo
e beijos de vapor.
Deixem que Eva
coloque meu dedo
em seus lábios
e solidifique
um pouco de amor.
deixem
EVA
POR AR em meu peito
e saliva em meus lábios.


No dia
do rei Adão


É...
Eva...
É vapor...
Evaporar...
Eva por ar
em meu peito...


Riso de choro
é dor,
choro de riso
é dia.
E, de repente,
a vida passa,
rastejando
como uma sombra de Hiroshima.


E é necessário
estar perto de alguém
que nos segure pelos pés
quando começamos
a voar alto demais.
Que nos segure
e nos impeça de fugir,
assustados,
no dia da redenção.


Pois a solidão
é uma sombra
que acompanha
sem fazer companhia.
E há tantas pessoas
vagando pelas ruas,
nas filas
dos abraços perdidos,
implorando
dez centavos de carinho.


E sem vaidade
e sem orgulho,
disposto e exposto
como as feridas da revolução
que sangram na alma,
a paixão chafurda
no lodo pantanoso da metrópole,
pedindo para respirar.
E a milícia secular
da guarda imperial do coração
despenca em pedaços
de rocha seca
sob o tremor do amor sincero.


Então
o segredo mais profundo,
enraizado e imundo,
perdido e sem ar,
começa a aparecer
como uma lágrima escorrendo
dos olhos cansados.


O dia da redenção
não será um dia,
mas um estado de espírito coletivo
E, somente então,
as palavras,
não mais necessá...
poderão, enfim,
desapare...


No dia da redenção
não haverá
a beleza decrépita
dos novos relacionamentos,
que começam belos
e vão se deteriorando.
Pelo contrário,
começarão velhos,
rejuvenescendo com o tempo.


Haverá crenças...
fé de Deus para os católicos,
que fede a Deus aos agnósticos.
E pequenos filamentos
que hoje saem, aos milhares,
dos poros das mãos
e transformam-se
em cobras sombrias,
serão apenas
a juventude esvaindo
em toques de maturidade.


E abraço meus sonhos
com as pontas dos dedos
como alguém que se agarra
à beira de um abismo infinito.
Mas a História,
dos primórdios a Idade Média,
do renascimento ao presente,
renasce das cinzas
com a nossa presença.
Pois
se a História
são os fatos do mundo
que nos antecedem.
Não há História sem nós.
E o sangue vermelho
Encoberto por cristas de gelo
ainda escorre dos olhos...
e faz tanto tempo...


E, na verdade,
duas ou três idéias
novas e originais
valem uma vida,
pois se propagam
em milhares de outras.


Como sementes
O corpo precisa de cuidados
e a alma, de carinhos...
Por isso
Canto
a bondade de tudo
e a maldade de todos.
Os gritos de liberdade
que precedem
o enxame de mortes.
A fúria
dos sorridos desfeitos
e o desespero
do ar rarefeito.
Canto
a sombra
que foge do corpo
e se esconde
nas frestas escuras.
E as frestas escuras
que rastejam na luz
como vermes perdidos.
Canto
as palavras contidas
e o escarro.
As palafitas
e os carros
que se renovam
na tradicional
dança da modernidade.
Hoje,
Infelizmente,
para aparecer,
a inteligência precisa ser,
acima de tudo, sexy...
a sexualidade, ativa...
a atividade, pública...
mas a publicidade mente.
E hordas incontáveis
de publicitários e juizes
enfileirados, respectivamente,
nos enganam e condenam
a consumir os próprios crimes
pelos melhores preços do mercado.


Ezra Pound
se debate
em uma gaiola de gorila,
gritando
alucinadamente:
“Condensare, condensare...”
E algumas vezes
os movimentos
dos dedos e bocas
em instrumentos musicais
chegam a ser tão prazerosos
quanto
toques sexuais.


Aaaahhhhh...
mulheres esguias por todos os lados,
inverossímeis e etéreas,
como fantasmas noturnos.
Aaaahhhhh...
Sou hoje
uma coletânea
de coisas erradas,
palavras e desejos,
olhares e medos
e medos e medos
e medos e medos...


Não chega perto...
Eu mordo mesmo!



E a saciedade clama
por instintos homicidas
para que todos tenham
a quem culpar os próprios erros.


E justo quando descubro
que escrever também é
um exercício de se gostar,
tantas palavras fogem, assustadas...
E se não mais mergulho
no riacho lúcido dos lábios
ainda arranco sangue de outros olhos
com o chicote enfurecido da minha língua...


pátria...
partia...
para outros
portos...
tropos... * glossário – * palavras usadas em sentido figurado


Aaaahhhh...
Vem pra cima....
para a briga e para o amor,
não importa...
desde que seja vivo e visceral,
como as entranhas do meu peito
que lateja e se ressente...
Quem dera...
Fincar-me à terra como pregos,
na maldita crucificação
e sangrar vermelhos sentimentos
como sementes
empalhadas
pelo chão.


E vocês?
Não percebem?
A perfeição
tem gosto de carne processada
e cheira a amor transgênico.
E um dia todos morrem
sob a doce luz azul do alvorecer
ou sob excrementos pútridos do esgoto.


Somos carne e pele.
Apenas carne e pele.
Depois, nem isso...
sementes
ressecadas pelo inverno.
O amor, que nos preenche,
não está
na carne e pele,
mas na alma,
que é livre...
mas nos preenche
por alguns anos.


Um dia,
com os anos,
quando a graça juvenil se esvai
pelo tecido esgarçado da pele,
o que sobra?
Uma garça,
sem jeito e sem graça,
sem sorrir,
cobrando os dias
desgraçados do porvir?


A maturidade,
muitas vezes,
nada mais é
que a perda
da noção do belo
e da inocência.
Quem diz o contrário
pode
rasgar os dedos
agarrado
às paredes
do inconformismo.


Aahhh, mas a redenção....
de dias malditos,
de políticas desencontradas,
de contratos indistintos,
de promessas mal intencionadas,
ditas com sorrisos
de répteis,
de dores mortas, putrefadas,
resgatadas do fundo
de um caixão torácico,
respirando mescalina.
Mas as paixões erradas
passam delicadas
como um mamute obeso em chamas.
E a vida
são os próximos desejos.


Responsabilidade
é respeitar
os desejos dos próximos
e a maturidade
é sempre
o passo seguinte.


E, às vezes,
os ramos secos da agonia
revitalizam-se
pela força de um só beijo.
A felicidade
são alegrias em pedaços.
Um quebra-cabeças
formando
uma imagem bonita.
Talvez por isto
seja tão rara e incomum.
São associações
de idéias,
efeitos
e membros.
São seus olhos
e um sorriso
dizendo
que está tudo bem.


São as noites de afeto,
longe das bombas
de uma civilização desesperada.
É a esperança,
a última gota divina,
a única mecha de vida.


Esta noite,
gostaria de afundar meu corpo
no aconchego do teu corpo,
feito de nuvens e lábios.
Para que a flor do meu silêncio,
embotada, abra
seus botões de frases belas
e me façam melhor do que sou.
Ao menos essa noite...
Ao menos nesse som
de sonhos colidindo
para o universo renascer.


Eu, que já tentei tocar a noite,
beijei o vácuo...
e entre os meus lábios e os seus
o ar pesava toneladas...
As palavras certas que faltaram,
sufocaram na garganta,
afundadas no dilúvio
das paixões desesperadas.
Mais um silêncio no coração
que ainda bate e insiste
às portas do peito amargo.
“Abra, por favor...”
E sua voz, doce e delicada, responde:
“Não. Fique onde está,
pequeno, triste e controlado.
O mundo aqui fora
está repleto de foices voadoras”.
Mas tanta proteção
sufoca o feto
antes do primeiro grito.
E é tão preciosa a redenção...
A cidade mata
ao procurar sobreviver
em um Darwinismo enlouquecido.


E em meio aos gritos
e vulcões de sangue e lava,
percorrendo as ruas da metrópole,
ouço, pequenino, um sussurro:
“Eu te amo”,
disse alguém,
abraçada ao amado,
protegida
da torrencial chuva de corpos.


QUASE UM FIM


Acordo...
Encolhido
sob um esgoto
de lembranças tristes, carcomidas.
Grito: “Shazam...”
E nada acontece...
e as pala.....
desneces....
começam
a desapa....


E então...
pego meu peito corrompido
e o engulo, como faria a um comprimido.
Para que dilua-se no estômago.
Algum outro, renascido,
mantém-me vivo e respirando,
enquanto corro, noite adentro,
pelos túneis tristes
de um bueiro vivo...


FAUSTO


Sob a influência má
de uma pomba-gira,
Fausto desce o morro
e pede proteção
a Mefisto Félix.
Feliz e forte como um touro
recebe um amuleto mitológico,
uma mini-Taurus de cano prateado,
com a pureza suja de missões passadas


Agora
ele também é um rei..
O Sandman da favela,
carregando sonhos
em um punhado de pó...
branco, como uma promessa,
puro, como a infância que não teve.


Sua amada, Gretchen,
nada inocente,
rebola em noites cariocas,
mostrando a bunda na TV.


E a peste que se espalha,
provém do sexo e seringas,
não mais dos ratos...
Enquanto o apocalipse,
engatilhado,
cheirando à pólvora,
dizima a carne e mata.
Voa e tem o peso do metal.
Atinge transeuntes.


Fausto é jovem
mas vendeu sua velhice
por amores de momento.
Pensa que se o futuro é incerto,
o presente é agora.
Mas, por outro lado,
o que mais temos nesta vida?


Na barganha universal
do livre provimento,
nos provemos com o que temos.
O resto é sonho.



Mas
quando Fausto encontra sua amada
a noite os encobre
como sombras protetoras
de todo mal
que ele planta e colhe
vendendo folhas de coca.


O poder é sedutor.
O amor, um sedativo.
Por isso
homens de almas frias
como navalhas congeladas da Sibéria
também amam suas mulheres.
Limpam o sangue das mãos
com a suavidade onírica dos lábios.
E todos os dias
uma sangria de desejos
assola o mundo
e são necessárias novas sensações.
Novas estações se descortinam
sob o tecido brumoso do tempo.
E é necessário ouvir
Aquilo que o bom senso não nos diz.
Os aromas enfadonhos.
Os sentidos, os amores
e a fabricação própria de sonhos.


Fausto, resoluto,
percorre a boca
e seu silêncio
é o da noite carcomida
pela promessa não cumprida.
A dívida não conjurada
tem gosto de sangue futuro.
E é ele o redentor.
O messias da depravação
e o arauto executor.


Mas
é na noite ressentida
de poder policial
que Fausto exerce seus poderes.
Mas será Fausto, Fausto mesmo?
Ou será ele meu Mefisto?
E quem é Félix?
É mais costumeiro
ser ator de preconceitos ancestrais
do que autor
de malabarismos cerebrais.


Nessa noite haverá sangue...
jorrando como fonte, bálsamo divino...
Pelo preço de alguns gramas
a grama verde da poesia
terá seu Éden molestado
pelo ínfimo valor da vida
em verdes notas de um real.
Se o coração do mundo
sangra
sentimentos venosos
também sangra
este câncer negro, venenoso


Nosso Fausto,
herdeiro
de uma sina de assassinos
fará
mais uma vez soar os sinos
da inconsolável marcha funeral
que, por uma mórbida coincidência,
se assemelha, na memória incauta,
ao coro lírico da marcha nupcial.
Mas
haverá Wagner de consentir
que seu Lohengrin
embale a história
do conterrâneo Goethe
sob a contemporanização
dos funks cariocas?


Aaaahhh, e esse frio na noite esguia?
Essa dor no peito que não passa...
Penso
que me tornei um estratagema...
uma coisa assim complicada,
diferente
do que é ser somente humano.
E isso não é bom.
Mas vamos ao Fausto...


Quando passa
toda a rua se esvazia
como um desterro
desfeito em hemorragia.


Nesta noite
há um destino
uma dívida a cobrar...
almas que pesam na balança...
21 gramas, como ouvi dizer
em um filme.
E a alma etérea
que se entrega ao pó
fará o corpo físico
a ele retornar....


Venta muito nesta noite...
O vento, carregado
de espíritos cremados,
carrega corpos desmanchados
e sementes sem esperança.
Mas em algum lugar, algo germina...
Pelo menos, assim espero...


E a lucidez germânica da história
deste amor inconcebível
se torna, ao som do samba novo da Mangueira,
uma ode de sangue
na longa noite negra brasileira.


Fausto caminha e chama
dois ou três comparsas
de ironia e escravidão.
Adentram pelas ruas da favela
carregando a vida pelo punho
de um revólver carregado em cada mão.


Se seu nome não é lendário
é porque não há razão de ser.
Não há glória nos seus atos
e em cada esquina
de pobreza e fome
encontramos,
com facilidade,
dezenas de Faustos.
Cada um com sua história.
Cada um com outro nome.


Fausto e suas sombras
atravessam a noite escura
e caminham em direção a uma rua
onde se esconde um bar qualquer.
E quando invade o ambiente
ele segura cada arma firmemente
em cada mão trêmula e nua
como um lindo corpo de mulher.


E em um estalo de prazer,
gozo, tensão e dor,
ouve súplicas gemidas,
ante o estalo do gatilho,
enquanto aponta
o cano enrijecido da pistola
ao usuário devedor.


O sangue alheio
é o gozo do assassino.
Então me pergunto:
“Se Deus é todo amor
então por que
alguém seria criado
senão para ser amado?”
Mas a violência urbana
explode como bombas
e em alguns lugares
o símbolo da paz
é uma pomba branca suicida.


Um filete vermelho
de sangue salgado
escorre, persistente como a fé,
da cabeça caída de um coitado,
ao pé de Fausto,
que permanece
ereto e confiante.


Quem seria o dono
desse sangue sem futuro?
A quem beijou?
Por quem foi amado?
Que nome veio a sua mente,
quando baleado?
A resposta
pertence ao medo
e ao silêncio.


Em algum lugar
homens felizes brindam
com champanhe claro em corpos de cristal,
crianças brincam alegremente nas ravinas,
adolescentes brincam com a inocência das meninas
e homens rudes,
do Instituto Médico Legal.
recolhem
corpos devorados nas chacinas.


Aaahhh, e essa carne exposta no banquete da matilha?
Vísceras sangrando entre dentes limpos,
sorridentes
como um clown que brinca
e pinta o rosto
nesta noite linda.


Também sou Fausto, o assassino,
percorrendo a noite, o olhar ferino,
procurando Gretchen em outros braços,
lembrando, vagamente, que eu existo...


Enquanto isso
o outro corre...
não pelos esgotos,
mas pela favela.
“Assassino...”, “Assassino...”,
gritam
as vozes dos fantasmas que o perseguem.
A arma pulsa, fumegante,
agora já caída entre seus dedos.


Não há comparsas ou auxílio
na paranóia da perseguição.
Sua memória é flashback:
“Jesuis, daí forças a meu filho...”,
dizia a mãe,
entre um cigarro e outro,
em frente
à pregação evangélica na TV.
Agora,
os companheiros já não seguem
nem apóiam.
É cada um por si,
mas ele sabe
que os idólatras de hoje
são os inimigos de amanhã....


NESTA NOITE, ME SINTO TÃO SOZINHO...
enquanto Fausto corre pelas ruas, solitário...
...QUE IMPLORARIA PELO TOQUE DE QUALQUER CACHORRA VAGABUNDA...
Fausto se esconde de seus erros...
TOCO MEU PRÓPRIO ROSTO, EM QUASE DESESPERO...
Fausto segura seu revólver, firme, assustado...
ME HUMILHARIA, PRECISO FOSSE....
...como quem segura a própria vida...
...APENAS PARA SENTIR QUE AINDA ESTOU VIVO...
...sente o denso frio da alma no metal...
...QUANDO TATEIO EM VÃO UM NOME, ENTRE PAREDES...
...se entrega ao próprio erro e se confessa.
e a dor profunda, MUDA E SECA SE PROCESSA
COMO UMA CAIXA QUE SE FECHA COM ALGUÉM DENTRO
E CADA SÍLABA, COSTURADA A OUTRA POR UM FIO DE LÁGRIMAS
RASTEJA PELO ESGOTO FRIO DE QUEM DESEJA E JÁ NÃO ALMEJA.
E HÁ TÃO POUCA CRENÇA EM DEUS E NA JUSTIÇA
QUE A MAIOR VINGANÇA é manter-se vivo mais um dia...
Fausto dispensa seus momentos sussurrados...
E ENTRE LAMÚRIAS, SIGO O TEMPO EM PASSOS TURVOS...
...sabe que há pouco tempo e a vida é curta...
...TROPEÇANDO ENTRE ERROS FRÁGEIS, ESPALHADOS NO CAMINHO...
... para quem brinca com outras vidas sem ser Deus...
...COMO UM AMONTOADO DE TORMENTOS REBUSCADOS...
...por isso ergue firmemente seu revólver...
ENQUANTO ERGO, ENTRE DEDOS TRÊMULOS, A CANETA.
...mas quando encosta o cano frio na própria têmpora...
AS FOLHAS TREMEM, EM CONTRASTE COM MEUS MEDOS...
...e prepara a arma, engatilhando o destino entre seus dedos..
...SOU EU QUE CAIO INERTE SOBRE A CAMA, IMÓVEL E TENSO.
...ele desiste...
...e EU TAMBÉM..


Fausto se lembra
de momentos mais felizes
e sabe
que precisa ver sua Gretchen
ao menos
mais uma vez antes da morte.


Por isso
sai correndo
por entre as ruas mudas da comunidade,
como se toda verdade fosse sua.
Como algo que escorre entre mãos nuas,
mais denso e físico que o sangue
que corre apressado
entre estes corpos.


Enquanto isso,
a polícia segue suas pistas.
Alguém o viu.
Alguém o conhece,
reconhece a vítima
e o homicida.
Algum amigo desafeto
e traidor do movimento.
Alguma mãe inconformada,
encorajada
pela revolta do momento
E nem Mefisto,
ao ser informado,
se mostra preocupado.
“Peixe pequeno
morre mesmo.
Sabe pouco,
nada fala
e morre
pela boca”, diz.


Quando chega
à casa da amada
a encontra desperta,
bem vestida e arrumada,
à sua espera.
As notícias
correm rápido na “boca”
e se espalham
velozes
como balas de revólver
entre os ouvidos mais atentos.


Ele a abraça
e a beija
com um carinho verdadeiro.
E ao receber a notícia
de que está sendo perseguido
sabe que o tempo é frágil e derradeiro.
Ambos correm, velozmente,
à procura
de alguma porta ou algum bueiro,
alguma trilha ou estação...
“Eu te amo”,
ela sussurra
e, quando o abraça,
estranhamente,
por alguma razão,
sente-se protegida de algo
que ela mesma desconhece.
No dia da redenção.


Armada e furiosa
a polícia o persegue,
confiante
de que encontrará nele um informante
que a levará a algum peixe grande
que fuzilou um homem deles,
algum outro dia.


Mas
ao menos esta noite
não o encontrarão.
Esta noite
eu o deixarei viver...
Para que, no dia da redenção,
ele mesmo
escreva seu próprio destino.


Mas farei isso
apenas
em nome da palavra
que a tudo redime.
Que traz
conforto e vida
a quem nada mais tem.
A mais sóbria e límpida
do vocabulário humano.


A palavra
AMOR.