Ácido Ameno

Tuesday, April 25, 2006

TRÍPTICO DO INFERNO (e uma imagem de bônus)

Aaaahhhh, mais uma coleção de desejos abortados
como fetos putrefatos implorando proteção.
E o que poderia ser azul e belo e límpido
se torna flácido
na coloração triste das cinzas,
das rosas roxas
e dos negros pálidos.
Chega
desses vermes racionais
que me atacam constantemente
pela nuca.
Covardes
como flechas sedentárias.
Chega
deste elmo inchado sobre a mente
me limitando o raciocínio.
Escrevi, certa vez,
em um poema,
que procurava
uma pérola na lama.
O tempo passou
e eu mesmo chafurdei.
Me resta apenas
esperar que alguém me encontre,
ainda
que já não brilhe tanto.
Por favor,
alguém...
uma corda...
para que eu também
saia da lama...











Cansei
desses espíritos
sussurrando mantras de mitos mortos...
De espalhar
sacos plásticos vazios
como armadilhas
pelo chão do quarto.
De acessar,
toda manhã,
esse mundo...
trocinho onde vivo...
Ei,você, que ainda vive...sim, você mesma...
não me mostre tanto seu carinho,
pois posso gostar e querer tocá-lo,
mas aceito um pouco dele, sim, obrigado!
Tento
Ter sonhos bonitos
e passar
o maior tempo possível neles...
Escapismo barato
por escapismo barato
é melhor
que assistir novelas.
Pelo menos
não gasta energia elétrica.
Aaaaahhh, mas essa injeção de realidade
inchando minhas veias.
Esses olhares perversos
Esperando meu próximo passo.
Pregos
com sangue recente
aguardando meus pés descalços.
Música e vídeo
como ópio
na falta
de uma droga mais efetiva,
como a coca ou a mescalina
Ou alguma chama
que acenda o coração.
Por favor...
alguém...
apenas uma gota
que inflame esta chama...




Do nada, eles surgem...
repentinos...
esses olhos avessos
em rostos opostos...
Como grilhões,
Perpassando o cérebro,
lado a lado...
cordão manchado
de óleo negro e sangue pisado.
Pingando
culpas
e crimes passados...
E essa mulher,
quem é?
Todas as noites
procurando
sacos plásticos
em meu quarto de dormir...
tão velha e assustadora,
nos meus sonhos...
Alguém, uma voz...
me disse, uma vez...
o motivo
da bizarra obsessão...
Sim, a frágil velha assustadora
cometera, certa vez, um homicídio...
Sim, bastou-lhe uma corda,
um saco plástico
e a fria sensação da impunidade...
Agora a vejo
muitas noites
e eu mesmo, cruelmente,
deixo sacos pelo chão,
propositadamente,
para que os encontre
e se lembre...
Sempre...
Por favor...
alguém...
me toque...
apenas um acorde
de música humana...





Cansei
de me esgueirar pelos corredores da casa
à noite, como uma aranha,
rastejando sobre quatro patas,
estático como um zumbi...
De dormir
recebendo
carícias exóticas
de mulheres transmutadas,
em formas de cadelas e gatas,
sugando
e roendo meus dedos dos pés,
enquanto empinam
traseiros peludos com rabos
como fariam
mulheres reais.
E sentir, com isso,
prazer de ter nojo
Cansei
desses prazeres escrotos das covas.
De caminhar pela noite
e ser atacado na próxima esquina
por este cão enorme, raivoso
e feroz como um búfalo,
negro e brilhante
como uma poça de óleo,
que me derruba, rosnando,
e entre a baba que pinga em meu rosto,
promete
que vai me matar.
Por favor...
alguém..
apenas me acorde
para dizer...
que me ama.

Monday, April 10, 2006

O Beijo de Judas

Nesse texto anterior (é...esse mesmo, aí de baixo...isso...), sobre lugares vazios e preencher espaços, usei como referência o evangelho apócrifo de Tomé. Pois é... coincidências da vida... Poucos dias após postar esse texto acabo de ler em algum lugar que alguns teólogos ou cientistas ou sei lá quem acabam de traduzir da língua copta (é isso? Sei lá...) mais um evangelho apócrifo. O de Judas. É, esse mesmo, o traidor... Se esse livro fosse aceito pela igreja a história do cristianismo precisaria ser revista. De acordo com essa versão, Judas não era apenas um traidor sem vergonha que vendeu Cristo por 30 dinheiros, mas seu apóstolo mais querido. O único que entendeu a verdadeira missão de Cristo e como ela deveria se desenrolar. Nessa versão, Judas vendeu Cristo não por traição, mas por ordem e conivência do próprio. Para que no calvário pudesse se libertar da crosta humana e então provar sua divindade. Judas não seria então um vilão, mas o mais fiel apóstolo de Cristo.
Bem...humhum, de qualquer forma, esse continua sendo um evangelho apócrifo não aceito e não oficial, tipo uma farsa ou uma blasfêmia. E Judas continua sendo um sem vergonha traidor que traiu Cristo com um beijo por 30 moedas. Tá!!! E daí???? Daí que de uma coisa estou certo...uma grande parte das pessoas comuns, com as quais convivemos, amamos e nos relacionamos possui uma alma de Judas. Quando nos traem. E se falarmos em traição em termos de relacionamentos amorosos, a traição passa inevitavelmente pelo beijo. Em outros lábios, é claro. Apenas sem a necessidade dass 30 moedas. O beijo, então, tão linda manifestação de afeto, pode ser entendido também como símbolo histórico maior da traição.
Poderia, então, alguém me explicar pq, às vezes, a vida é tão dialética que nossos maiores prazeres se tornam as ferramentas para nossos maiores tormentos? Sei lá.... Talvez Judas explique... Afinal, ele sabia das coisas....

Saturday, April 01, 2006

Empty Spaces

"Espaços vazios". Esse é o nome de uma música do Pink Floyd. Do "The Wall". No disco não está inteira. Só no filme. Fala sobre consumo, comprar coisas e ocupar espaços para preencher um vazio que, na verdade, é interior. E que não percebemos ou fingimos não perceber, por estar sempre "de costas para o muro". Concordo. E acho que esse espaço vazio, quando as pessoas não o preenchem "acumulando coisas", entendidas por objetos, procuram preencher com elas mesmas, pela própria presença. Conquistam centenas e centenas de amigos, ainda que superficiais ou passageiros. O que importa, afinal, é a quantidade. Ocupar espaços e acumular para filtar um ou outro alguém especial. Afinal, cabem mais pessoas no Orkut que no coração. Arranjar festas e mais festas, o maior número possível, com o maior número possível de pessoas. Uma vez nelas, procurar abstrair ao máximo, falar ao máximo, se enturmar ao máximo, procurando diversão. Na verdade, ocupar o máximo possível de espaço dentro do próprio limite do bom senso, que é variável, pois sabemos que excessos levam à exclusão e exclusão remete ao vazio. Falar ao máximo, sorrir ao máximo. Chamar a atenção. Essa é a nova ordem. Enfim, procurar o máximo de aceitação externa e preencher espaços para ocupar um vazio que, na verdade, é interior.
Não me isento. Não vou a festas, mas consumo e encho meu quarto de coisas para preencher um silêncio que é, na verdade, interno. Não dá para negar a satisfação e o sorriso alegre e momentâneo que surge quando encontro AQUELE disco difícil do Durutti Collumn ou do Peter Hammill, um livro novo do Neil Gaiman, as obras completas do Jorge Luis Borges ou até um filme da Laura Angel (Gosto de filme pornô, sim. E daí? Afinal, é religião...e, como o nome diz, trata-se de um anjo).
Pois bem... falando em religião, este conceito de vazio e preencher espaços está lá, na teologia. Em Cristo. Pelo menos, segundo o evangelho apócrifo de São Tomé. (Agradecimentos ao Fábio, que me emprestou o dele). Os demais não li.Para quem não sabe, os evangelhos apócrifos são aqueles não reconhecidos pela igreja e que não fazem parte do Novo Testamento. Adoro a interpretação cristã desse sentimento, segundo Tomé. De acordo com essa interpretação, o conceito de preencher vazios pode ser comparado a uma roda que gira. Acho ótima essa analogia. As pessoas procuram se manter no lado externo dessa roda. Vamos entender cada pessoa como um ponto na extremidade externa da roda. E quanto maior essa roda, melhor, pois maior será a circunferência que ela ocupará enquanto gira. Consequentemente, maior a volta que ela dará e maior o espaço percorrido. O problema é que cada ponto, por mais que esteja sempre em contato com um novo espaço de chão que percorrerá no caminho irá, por outro lado, dar voltas em torno de si mesma o tempo todo e chegando ao mesmo ponto da circunferência. E quanto maior a roda, mais rápido, superficial e passageiro é o contato com o novo espaço de chão. Mas, se há um engodo nesta idéia, como justificar a força que move a roda? Segundo Cristo, na versão de São Tomé, a solução é simples. Que a verdadeira força da roda não está na sua extremidade, nem no espaço percorrido, mas no seu eixo, no centro da roda. E esse centro é um ponto fixo, que não ocupa espaços. Mas é nele que se concentra toda a força, a energia que movimenta e dá sustentação ao todo. Ele, o lado interior da roda. É ali que está a força. O tamanho da roda e sua circunferência podem ser tão variáveis quanto o número de amigos ou CDs que temos. Mas o eixo está lá, no interior, no centro. Caso contrário a roda seria capenga. Jogue o centro para a esquerda e a carroça treme e balança a cada volta da roda desregulada. Então, de acordo com este conceito teológico, o "reino dos céus" pertence a quem preenche bem o vazio interior e habita o eixo, não a extremidade. E não me chame de tendencioso, pq falei que não frequento festas. Afinal, por outro lado, consumo CDs. Não concorda? Não discuta comigo, porra... Vá brigar com São Tomé...