Ácido Ameno

Monday, August 27, 2007

Lonely is an eyesore 3,5.1

O olhar cansado insiste: "É noite". Mas o filete luminoso que perpassa a fresta da janela anuncia: "É dia". E o coração escuro ainda bate, compassado, na melodia rítmica da noite anterior. Na melodia rítmica que a vida ensina. A canção da vida insiste em mais um dia.
Olho nos olhos dos mortos de todos os tempos e lugares. Prometo a eles uma vingança. A de fazer valer o dia. Como um brinde. Mesmo que a taça ácida do tempo corroa e mate aos poucos. Um pouco a cada dia. A cada passo...
Contando no caminho, o cadafalso cresce, no semblante seco da sucessão dos dias, nos sorrisos amarelos que perderam o brilho, nos toques perdidos de proximidade não concretizada, no sorriso que não veio no momento sorrir, nos olhos de alguém que estava olhando para outro lado. E, mesmo assim, os fito, insistente... diamantes negros que se perdem...
E o horizonte ri desta procura desprezada. Pela janela, prédios longínquos parecem um irônico sorriso banguela.
Ouça... o coração chora. E são lágrimas de sangue. Mas também são lágrimas de vida. Mortos não choram. E não sangram. Penso nas sílabas de um nome. Mas são apenas letras e desejo. Ambos etéreos. Gostaria de tocá-los... Para provar que sinto. E sinto muito... Para provar que há vida. O peito grita - "Dê-me vida". Por fim, sussurra, seco - "por favor". E então... silêncio.
Ninguém o ouve na manhã escura, mesmo com o céu iluminado. Ninguém entende que há algo mais belo que centímetros de carne bem moldada? Ou além da juventude tudo é apenas morte disfarçada ?
Após o meio-dia, a vida é deflação, um olhar perdido no horizonte que se move. Cada vez mais longe. Apenas a sombra acompanha. Sei... somos ponteiros de um relógio vivo. O mundo com hora marcada. Os segundos passam e nos beijam. E os abraços.. tão bons... são apenas energia que se esvai no tempo. São faiscas de carinho. O fogo, implacável, exige atrito. Mas já existem tantas exigências neste mundo...
Homens também choram. Apenas não assumem e, quando fazem, fazem escondido, com vergonha de sentir, com vergonha de ser homem para assumir que antes de homem, está vivo e não, não domina o mundo. Não. Apenas finge. Já dizia uma canção antiga - " There's a club if you'd like to go.... so you go and you stand on your own... and you leave on your own.. And you go home and you cry and you want to die..." - How soon is now (The Smiths)...
E, no fim, o silêncio...quando chega a noite. Como um filete de sangue perpassando as frestas da janela... os lábios cansados ainda guardam a frase correta, que descansa muda.

Wednesday, August 01, 2007

Ode a Baudelaire (ou poema simbolista)

Oh... forças negras do universo...
que a tudo observam com olhos aprumados,
poderiam oferecer-me uma luz que a luz negou,
em troca de um pouco de vinho e sangue humano ?
Hoje
eu sou o monstro
e tenho fome.



Ah... formas neutras do universo...
que habitam trópicos e pólos e abraçam o mundo com sua força,
oferecer-me, poderiam, uma crença virgem ou a negra luz que a luz negou
em troca de uma palavra secreta, um olhar puro ou um sonho eterno ?
Hoje
eu sou o homem
e tenho um nome.


Ei... forjas rubras do universo...
que espalham sangue e morticínio em sotãos mofados de dor e isolamento
e habitam a fúria do meu corpo nos momentos de revolta,
ceder-me, poderiam, as chaves deste frio tormento
em troca de uma gota, uma pétala ou um toque lento?
Hoje
eu sou uma crença
e tenho o homem.


Hooo... forcas frouxas do universo...
que aguardam o momento, a remissão ou o ressoar dos vaticínios
com a paciência esgueira do carrasco que resguarda a cimitarra
como quem guarda as tochas do destino sob um manto oco,
poderiam desatar os nós que me prendem os pés e impedem o vôo,
em troca de uma crença justa na sensação de piedade ?


Hoje
eu sou um anjo
e tenho asas.