Ácido Ameno

Sunday, May 02, 2010

ORAÇÃO DA PIEDADE (meu eu místico)

SOL INVICTUS



ORAÇÃO DA PIEDADE

Para aqueles que escondem mentiras por sob plácidas ramagens verdes e moedas de prata
Para aqueles a quem o mundo nega seus braços de exílio e entrega o segredo de Aquiles
Aqueles que sentem o ar frágil da noite roçando o calcanhar descalço
Para aqueles que sentem sede e o oceano cede apenas um punhado de sal:
Piedade.

Para aqueles que guardam esqueletos, guardam serrotes e cimitarras em sótãos secretos e esquecem o que guardam.
Para aqueles que aguardam: não importa quando ou o quê, mas guardam a esperança como uma carta da amada.
Para a armada que aguarda o inimigo e abraça a espada ou a arma como seu único amigo:
Piedade.

Para aqueles que acordam aflitos, assustados com sonhos e sombras refletidas pela luz do sol
Para aqueles que fingem, mas sabem que não, vendem a imagem daquilo que vestem mas não são.
Para aqueles que fecham os olhos, esperando que os outros também fechem os seus e acreditem apenas em seus lábios e ouvidos:
Piedade.

Para aqueles que aguardam a amada, ainda que a noite entregue a eles apenas nada.
Para aqueles que nada esperam, pois a esperança já nada promete e sabem que nada é apenas nada.
Para aqueles que nadam contra a corrente, mas a correnteza os impedem, como uma corrente amarrada aos pés:
Piedade.

Para aqueles que perdem a idade e pedem ao tempo uma segunda chance e um pouco de piedade:
Misericórdia.


Misericórdia
a estas almas pesadas,
cansadas,
que carregam
o próprio corpo nos braços,
implorando:
“Misericórdia”.

Misericórdia
aos condenados,
que não sabem,
não se conhecem,
caminham impávidos
e não sabem
que estão condenados.

Misericórdia
a todos aqueles
que ainda caminham,
procuram algo,
não encontram,
mas precisam apenas
de um pouco
de misericórdia.

Ouço, senhor,
o silêncio dos mudos
e eles me dizem muito.
Os gritos dos mitos me cansam.
E as falas dos muitos
me confundem e enganam.

Ouço, senhor,
sua voz,
mas não sei se ouço ou se penso.
Ou se penso que ouço.
Só peço
que ainda possa ouvir e pensar
para que possa pedir,
mas, principalmente,
para que possa tentar
e tenha forças para agir.

Nego, senhor,
minha própria fraqueza
quando ergo meu rosto
e finjo ser
tudo aquilo que sei que não sou.
E nego a mim mesmo
quando abaixo a cabeça
e nego
a força que tenho.
Mas faço pior
Quando nego carinho e alimento
e nego, com isto,
o senhor.
E quando nego
a minha negligência
e nego, com isto,
o senhor e a mim mesmo.

Aquilo que não fiz ontem
ainda precisa ser feito.
E a vida
é tudo que passa
enquanto
fico aqui, esperando....


E a esperança é tudo que temos:
Quando nada mais temos e ainda temos medo de algo perder.
Quando tudo é estéril e seco, mas aguardamos que o vento nos traga sementes.
Quando a saúde se esvai, mas respiramos mais fundo, sentindo a presença do ar.
Quando tudo é ausência e o sorriso de alguém se torna nosso melhor presente.
Quando tudo é presença e, ainda assim, nos sentimos ausentes.

Tenha perdão, ó senhor,
pelo que nunca seremos,
mas, principalmente,
pelo que nunca tentamos ser.
Por sermos tão fracos
ao ponto de nunca usarmos
nossa força para nada,
exceto nos satisfazer.
E, principalmente,
por sermos tão negligentes
ao ponto de não admitir nada disto
e administrarmos forjadas desculpas
para não fazermos
tudo aquilo
que tivemos forças para fazer.


Tenha piedade, senhor:
de mim, por ser o que sou,
e por cada um, por ser o que é,
mas, principalmente,
por mim
e por cada um
por não ter buscado
ser aquilo
que não é.

Piedade!!!!!!